Alma cinzenta
Num outro tempo, não muito distante, partia-se para além das fronteiras e das línguas à procura de uma quantidade de trabalho que possibilitasse uma vida mais digna e um certo conforto no regresso. Poucos partiram pela repressão ou pela política, poucos partiram em busca de qualidade e poucos partiram a saber o que os esperava.
Nesses homens e nessas mulheres havia coragem; física, porque decidiram ir, e foram, e coragem de alma porque decidiram ir em busca de décadas de suor e saudade para construir pouco mais que um regresso. E era uma luta que se sabia longa, de vinte, trinta ou quarenta anos e alguns, partidos nesse tempo, ainda hoje lutam.
Eram homens de armas a quem não lhes era dada qualquer batalha e eram homens de caravelas sem mar pela frente; fizeram as suas batalhas e inventaram o seu próprio mar.
Dos que ficaram, reza a história que também muito conquistaram com os seus cravos na lapela.
Hoje, os que regressam, os que ainda hão-de regressar e os que ficaram ainda vivem desse passado, porque os seus filhos e os filhos dos filhos não têm a alma dos pais e dos pais dos seus pais. Não são homens de caravelas e nunca sentiram a falta de mar pela frente, não são homens de armas e não querem batalha alguma, e vivem, tristemente, da memória do que outros fizeram.
Ouviram falar de saudade, mas nunca a sentiram, ouviram falar de lutas de muitos anos, mas não querem saber de sacrifícios, ouviram falar de fome mas nunca a tiveram, ouviram falar de batalhas, mas nunca as travaram.
Estes homens, filhos e filhos dos filhos dos que partiram e dos que ficaram, vivem hoje, governados por iguais, perguntando os primeiros para onde os levam e os segundos para onde querem ser levados, sem ideias, sem projectos, lamuriando-se, conformando-se, chorando baixinho e murmurando uns aos outros a vida medíocre que levam.
Estes homens não têm coragem para partir nem coragem para ficar.
São apenas filhos e filhos dos filhos dos outros, são homens de alma cinzenta.
Nesses homens e nessas mulheres havia coragem; física, porque decidiram ir, e foram, e coragem de alma porque decidiram ir em busca de décadas de suor e saudade para construir pouco mais que um regresso. E era uma luta que se sabia longa, de vinte, trinta ou quarenta anos e alguns, partidos nesse tempo, ainda hoje lutam.
Eram homens de armas a quem não lhes era dada qualquer batalha e eram homens de caravelas sem mar pela frente; fizeram as suas batalhas e inventaram o seu próprio mar.
Dos que ficaram, reza a história que também muito conquistaram com os seus cravos na lapela.
Hoje, os que regressam, os que ainda hão-de regressar e os que ficaram ainda vivem desse passado, porque os seus filhos e os filhos dos filhos não têm a alma dos pais e dos pais dos seus pais. Não são homens de caravelas e nunca sentiram a falta de mar pela frente, não são homens de armas e não querem batalha alguma, e vivem, tristemente, da memória do que outros fizeram.
Ouviram falar de saudade, mas nunca a sentiram, ouviram falar de lutas de muitos anos, mas não querem saber de sacrifícios, ouviram falar de fome mas nunca a tiveram, ouviram falar de batalhas, mas nunca as travaram.
Estes homens, filhos e filhos dos filhos dos que partiram e dos que ficaram, vivem hoje, governados por iguais, perguntando os primeiros para onde os levam e os segundos para onde querem ser levados, sem ideias, sem projectos, lamuriando-se, conformando-se, chorando baixinho e murmurando uns aos outros a vida medíocre que levam.
Estes homens não têm coragem para partir nem coragem para ficar.
São apenas filhos e filhos dos filhos dos outros, são homens de alma cinzenta.
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